Até seu café não tem meio termo. Côa uma tinta capaz de pintar asfalto, e um desenxabido mijo de padre. Eu misturo, se ficar forte demais ou fraco de menos, talvez tenha a manhã seguinte para tentar de novo.
O café vem com meu mexido preferido: ovo frito, com banana e farinha de mandioca; como de olhos fechados, só abro a boca.
E vamos nós pra casa da patroa.
Quando estou aqui transpiro alecrim. Móveis novos e bonitos, paredes limpas e espaço para respirar. Os cachorros são mais limpos que os nossos, mas não sabem abanar o rabo. Não gosto deles.
Vou ao banheiro e até me esqueço de que o xixi parou de cair, os azulejos me encantam. Em cada quadrado branco, uma flor, em cada flor uma cor; azul, amarela e laranja, depois repete e começa de novo, azul, amarela e laranja, azul, amarela e laranja...
Pensei em perguntar para mamãe quem tinha pisado nas flores do nosso banheiro, mas desisti, ela não gostava de perguntas, principalmente das minhas.
Mas eu gosto mesmo é da janela da sala. Subo no sofá, desatarraxo o trinco e repouso no parapeito. Olho a cidade pequenininha, as pessoas se esbarrando lá embaixo e o som dos carros e a gritaria das bocas rastejando tentando alcançar meus ouvidos, e eu levinha, levinha.
Seria legal ter uma janela dessa, em que a gente se sente grande...
Hoje o dia passou rápido. Desço de mãos dadas com mamãe pela caixa-bonita-com-espelho que em segundos nos coloca de novo no chão.
Caminhando para o ponto de ônibus, vejo zumbis com roupas velhas, cabelos espetados e olhos apagados, gente bem parecida comigo e com a minha mãe. A gente existe mal.
Mas eu estou bem, mesmo voltando para as goteiras, o mofo e para meu colchão magro estou com o livro do Pedrinho loirinho, acho que ele não vai ligar...