terça-feira, 25 de junho de 2013

Olho direito

Ao acordar, ainda deitada, vi seu olho direito. Aberto e desperto. Segui adiante e vi um azul sereno pintando o céu que se desnudava na janela. Recuei. O olho direito. Redondo e negro como jabuticaba, fixo na metade de meu rosto. Um olho novo, sem costume em me ver.

 Meu olho esquerdo se dividia entre o mundo que nascia lá fora, e o que nascia ali. Lá e cá. Perambulando na superfície.
Um pio. E outra vez. No terceiro pio o olho direito voltou a mim, piscava doce e lentamente. Pela retina passava alguma de coisa de brinquedos, andanças, medos, certezas, uma vida inteira de viver nenhum.

O olho olhava sem saber se aquilo que era visto valia. Valia um dia, umas manhãs, um café. Eu também não sabia se valia, se valíamos, se valia pensar. Sentia.

O mistério que saia do olho não me convidava a descobri-lo, apenas a dançar no escuro. Meus pés tomados rodopiavam, giravam...  Pétalas se desfaziam em meus dedos, sentia minha carne quente, meu sangue apressado, o girar, o torpor...

O vento por onde passa aviva as folhas, sacudindo-as, tirando-as do marasmo. De repente, como veio, se vai. Seguindo por outras estradas, atalhos, vielas, becos e avenidas.

Sacudindo outras folhas, arrancando-as de si mesmas. Algo parecido com esse olho sozinho.
Em um instante que me distraí, o olho direito sumiu.

Passado algum tempo, o encontrei junto com o outro, o que ficou debaixo da coberta naquela manhã. Extasiados, ressacados, trôpegos pela voracidade da noite...

O olho direito me olhou. Viu que eu ainda gosto de dançar no escuro...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Querido, Jabor

Você disse não entender os manifestantes
e todo esse "ódio violento contra a cidade"
Ônibus queimados, fogueiras, depredação
por causa de um mínimo aumento na condução

Não passavam de "revoltosos da classe média"
Que pareciam querer "destruir o país"
Nada era legítimo, um ligeiro e frágil torpor
uma "burrice misturada com rancor"

Mas parece que o gás lacrimogêneo chegou à sua janela
e os policiais" vítimas de coquetel molotov", viraram vilões
Parece que você lembrou da época da ditadura 
quando no auge da repressão, fazia cinema às escuras

Mas nem tudo é tão ruim assim
se antes não valíamos 0, 20 centavos
se nossos gritos inúteis não serviam de nada
hoje, pra você, somos "melhores que os caras pintadas"

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Solidão

Dizem que a solidão é ocasião,
uma visita inesperada
um tropeço, uma criança que cai

Mas como o vento, vem e vai

É a cobra cega que finge não ver
o rastejar lento a me procurar
o pé da mesa espremido
a xícara envolta, o mergulho  


O café das manhãs
os passos arrastados
o que engulo, o que cuspo
o que habito em mim


Não deita nos caminhos
recolhe-se aos cantos, é silenciosa
Cobra o que a gente acredita
e não consegue viver


Cá está ela fitando o poema
dou de ombros
dormimos
Ao amanhecer, eis o primeiro bom dia