quarta-feira, 28 de março de 2012

Morte em vida

Eu morri
e nunca dei opinião em nada, sendo sempre bege e neutra
Eu morri
e não tive coragem de olhar nos olhos do mendigo com medo de me ver
Eu morri
e não te beijei como meus lábios queriam, porque a dúvida me pareceu mais confortável que a certeza
Eu morri
e gastei com coisas que não usei, preferi ter algo palpável para mostrar e não experiências para contar
Eu morri
e passei horas do meu dia num escritório, esquecendo a cor que o sol tinha
Eu morri
e não escrevi aquele poema, por vergonha que alguém lesse
Eu morri
e nunca tomei um porre, pensando no que iam pensar, quando, na verdade, ainda que morresse seca nunca estariam satisfeitos
Eu morri
e esqueci de abraçar minha mãe nos últimos meses, mesmo sendo ela chata e implicante como é de sua natureza
Eu morri
e não subi aquela montanha por medo de sentir medo
Eu morri
e não prolonguei a conversa com os amigos por receio de chegar atrasada ao trabalho no dia seguinte
Eu morri
e fiquei anos num relacionamento falido por medo da solidão, não percebendo que ela me acompanha desde que nasci
Eu morri
e nunca pedi desculpa, ainda que eu erre ninguém precisa saber
Eu morri
e as larvas que via nas goiabas e maçãs, agora me devorariam numa inversão de destinos
Eu estou viva
e ainda assim não farei nada disso

3 comentários:

  1. É lindo e real!!!
    Será que estamos realmente vivos?

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  2. E o poeta ali, só de olho na apatia,
    aquele estado de letargia que póe fim,
    antes mesmo que ela se instale, poesia.
    Porque só Poesia prevalece e permanece.
    Sem poesia, náo há vida.

    E o poeta ali, só vendo...

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  3. SENSACIONAL! Tem dias que precisamos de um puxão de orelha como este! Saudades Angel, beijos!

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